sexta-feira, 24 de abril de 2009

Como o adulto aprende a ler com a criança


Que papéis ocupam o adulto e a criança nas situações de aprendizagem? Um é ensinante e o outro aprendente. Talvez não seja tão difícil pensar quem é quem...

Apresento três representações diferentes das crianças colaboradoras de alunas de Pedagogia, do segundo semestre. Quando elas procuram conhecer o que as crianças sabem sobre a escrita. A avaliação adveio da mediação através de situações reais de brinquedo, contação de histórias, cantos, jogos ou atividades que articulassem imaginário e representação.

1a. ATIVIDADE DE FAZ DE CONTA

- WENDELL, O PEQUENO CONSTRUTOR

A cidade de grampos. "As habilidades conceituais da criança são expandidas através do brinquedo e do uso da imaginação (...) Ao brincar, a criança está sempre acima da própria idade, acima de seu comportamento diário, maior do que é na realidade" (Vigotsky, 1988).

O QUE HÁ EM SUA CIDADE IMAGINÁRIA...









o bosque - o túnel da cidade - os edifícios


sua mãe aguando plantas - seu pai construindo uma casa - os cachorrinhos na rua - o cemitério (vivências e fotos por Noah de Paula, acadêmica de Pedagogia).

Wendell tem 7 anos (nov. 2007) e estuda em escola pública municipal. Sente muitas dificuldades na leitura e escrita. Seu pai é pedreiro, sua mãe é empregada doméstica, sua avó é diarista e o avô é garçom.

Segundo Luria (2006), para uma criança ser capaz de escrever ou anotar alguma coisa, duas condições devem ser preenchidas: devem representar algum interesse, coisas que gostaria de possuir ou de brincar, ou os objetos são instrumentais, utilitários com significado funcional para ela.


2a. ATIVIDADE: a reinvenção da escrita pelas crianças.

Representação Conceitual - Para Saussure (2002), o significado da palavra boi, não é o animal boi, mas a sua imagem psíquica.

Primeira Representação: escrita de palavras produzidas por Ynara (3 anos), em nov. 2008.

1. professora (representa o ritmo da fala - fluência da escrita como unidade significante), aqui ela parece mais intuitiva, interessada em escrever como o adulto.

2. caderno (representa a coisa em si - o caderno - exemplo de que o significante é o próprio significado).

3. lápis (significante representa a imagem acústica - dividida em duas unidades sonoras: 1) lá - 2) pis + 3) is acentuado. Percebe-se a soletração estendida: lá-pi-is. De dissílaba, exarcebadamente, passa a ser uma palavra trissílaba.

4. (o significante - a imagem acústica - representado pela unidade sonora - monossílaba).

5. A escola é legal. Cada palavra da frase foi representada (escola - é - legal) pelos riscos contínuos, com leve diferenciação "rítmica" e de alguma forma estável, características quase idênticas.
(vivência e representação da criança colaboradora de Carla Caroline, acadêmica de Pedagogia)

Segunda Representação: produção de um menino de 4 anos de idade (nov. 2008).

1. Bicicleta, a criança imediatamente escolhe um traço definidor do objeto sugerido. Não desenha a bicicleta em si, mas o signo que lhe é marcante. O significante parece ser a roda, o guidon, a catraca ou a coroa por onde passa a corrente? A junção de elementos ou outra não interpretada. Depende do ponto de vista da criança, o que ela quis representar. É preciso aprender com ela.

2. Bola, o menino faz um círculo do tipo “argola”, com um simples cruzamento final, que persiste por mais tempo antes do verdadeiro, o que acontece por volta dos quatro anos de idade (Greig, 2007).

3. Tesoura, com hastes sinuosas (lâmina = serrinha?), longas, soltas, desencontradas e argolas paralelas.



4. Não, de forma bem peculiar essa representação, assimila um xis rotacionado e alongado na vertical, que pode caracterizar o erro que muitas vezes é marcado por um xis vermelho. Depende, muito do que a criança quis destacar. Sobre o que de fato "assistiu-conhece".

5. Amo a minha família. A primeira representação é a sua mãe, a terceira é a sua agitada irmã, os dois menores são o seu pai e o bebê.
(vivência e representação da criança colaboradora de Maria Betânia Viana, acadêmica de Pedagogia)
O período de escrita por imagens, segundo Luria (2006), apresenta-se desenvolvido quando a criança atinge a idade de cinco a seis anos. A fase pré-simbólica caracteriza-se como limite entre a pictografia e a escrita simbólica da criança.

Faz-se necessário avaliar cada forma de representação por diferentes crianças, sujeitos aprendentes e, principalmente, autores de seus pensamentos e escrita que juntos possibilitam, sobretudo, o mediador aprender.

O pensamento adaptado para o outro ou o real possibilita a construção do pensamento lógico, segundo Piaget. Quem lê? O que busca? Há desconstruções?

Por que alunos e alunas não avançam? Eis o problema! Constitui-se a necessária comunicação entre as concepções daqueles que aprendem, das práticas pedagógicas subjacentes e do objeto do conhecimento, uma relação desiderativa, racional e relacional, dimensões que se complementam e se articulam.

Antes mesmo de procurar apontar indicadores de avaliação, se faz necessário pesar o quanto de distorções o processo pode vir a classificar e o pior discriminar, podendo o processo avaliatório ser tão rotulador quanto às práticas autoritárias.

Como você professor(a) - educador (a) - pai ou mãe - lê as produções das crianças?

O que elas ensinam? Lemos a partir de nossos pré-conceitos?

Pense e partilhe conosco sobre o que aprendeu a ler com a criança de sua referência...

domingo, 19 de abril de 2009

Por Elas e para Elas: selinho da leitura

HOMENAGEM ESPECIAL

"Se eu fosse vocês, a primeira coisa que pediria à professora ao entrar na sala de aula, pela manhã, seria: 'Professora, leia-nos uma história!' Não existe melhor maneira de começar um dia de trabalho! E no final do dia, quando a noite chega, o meu pedido ao adulto mais próximo seria: 'Por favor, conte-me uma história!' Não existe melhor maneira para escorregar nos lençóis da noite! Mais tarde, quando vocês já forem grandes, lerão para outras crianças aquelas mesmas histórias. Desde que o mundo é mundo e que as crianças crescem, todas estas histórias escritas e lidas têm um nome muito bonito: literatura".

Com esse texto de Daniel Pennac, agradeço o belo selinho que acabei de receber do Blog "Alfabetização em Foco", de Lenira, Deolinda, Claudiane e Vanda.

As crianças das escolas irão ganhar mais ainda com esse encanto que nos faz muito mais felizes. Se estamos por aqui é por conta das interlocuções e aprendências possibilitadas nos diálogos de uma escola aprendente com as crianças e suas infâncias, que vai ultrapassando seus muros. As paredes da sala de aula são como janelas para o mundo, estão sempre abertas...

Comunico a felicidade e o mimo de ter recebido compartilhando o selinho com os seguintes blogs:

1. O PC e a Criança, de Jenny Horta, http://melhorart.blogspot.com/
2. Ler e escrever é só começar, de Aparecida Ferreira, http://professoraaparecida.blogspot.com/
3. Expertise em Alfabetização, Projeto da Semec Belém, http://expertiseemalfabetizacao.blogspot.com/

Você tem compromisso com a leitura?
Então, leva este selo com você e siga alguns passos:
* Postar em seu blog;
* Linkar a pessoa que te presenteou;
* Enviar para o maior número de blogs que tiverem compromisso com a Leitura (mas lembrando de deixar aquele recadinho especial).

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Imaginação ou Figuras


Imaginar ouvindo as estórias da carochinha da bisa, da vovó e do vovô. Saber das histórias da vila, do bairro, das pessoas de antigamente, dos costumes delas e suas cantigas. Imaginários! As imagens? re-inventadas pela criança que ouve.

Figuras sobre a mesinha da escola para pintar. Vergonhas amassadas sob a mesinha. Traços escondidos. Não é igual ao da professora. E do professor? Palavras apartadas. Crianças de educação infantil é só para mulheres. Palavras silenciadas.

- Desenha p'ra mim? Eu não sei fazer!!

A mídia acaba com o acontecer poético da criança. Tudo é dado. Sem interação e diálogo, o devir criativo tem pouca chance... Tudo disjuntivo.

- Colar caquinhos e produzir mosaicos!

Imagens, imaginação, combinar, rearrumar, mudar o tom, reinventar harmonia, trocar a roupa, rearranjar cenas, sair do prumo, inverter papéis, ressignificar a trama, a mensagem, o ruído, o lixo.

- Maestros silenciados. Porém, lá vem Cecília Meireles e nos diz que a imaginação torna tudo possível, pois,
"às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes, um galo canta. Às vezes um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino".

Pois é, somos um pouco de tudo e muito da mídia. É o que nos fala. No passado deixamos nossa esplendorosa autoria, pois, achamos muito cedo que o nosso discurso, desenho ou escrita eram muito feios, pois, o da professora era melhor.

Aprendemos a copiar. Substituimos nossos desenhos pelo da mídia impressa ou televisiva. Desenhos de outros. Modelos favoritos. Os nossos eram sempre os mesmos: a mesma flor, a mesma casa, o mesmo sol, a mesma árvore, o mesmo menino e a mesma menina, o mesmo gato, o mesmo elefante, o mesmo pato. Desenhos massificados. Sempre iguais. Até hoje!

- Qual é a educação infantil que idealizamos?

Esse vídeo, abaixo, é inspirador, fala dos brinquedos, brincadeiras, sorrisos e toques. Tocamos o outro e nos tocamos. Tum-tum-tum. Auscultamos corações. Caimos e damos risadas. Batemos a sujeira colada no corpo. E sujamos de novo. Risos renovados.



As histórias nos fazem perceber que é possível re-olhar a infância. Reencontrar a estima. Os processos criativos. A sensibilidade. Ressurgir. Tons e afetos. Reencantar a educação. Salvar o mundo! Construir uma nova relação midiática. Ampliar a rede de relações. Estar alerta. Estar aberto. Imaginação. Inovação. Re-ligar.

Que venham os contos, puxe os fios da imaginação, tricote enredos, teça sonhos e fantasias, desfie o mistério, produza novos sentidos.

- Como foi a sua infância cheia de imaginação ou de figuras?

Crianças Ribeirinhas e a Reeducação Alimentar


O que vimos observando na hora do recreio e até mesmo nas manhãs antes da entrada na escola? Crianças com casquinhos (massa frita em óleo) cheios de catchup e maionese, bombons, pirulitos ou geladinhos feitos de sucos em pó etc. Desjejum.

O que as mães falam sobre a alimentação de seus filhos? Não comem verduras, legumes, frutas etc.

Uma escola de educação ambiental também se preocupa com os hábitos alimentares, a nutrição dos alunos. A proposta da Escola Bosque vem sendo implementada através do Projeto Horta, em que trabalham uma pedagoga e uma agrônoma, contam com a parceria da nutricionista e de professores que atuam na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental.

Alunos e alunas aprendem a olhar, tocar e preparar a terra, semear, plantar, colher, a fazer a festa e ser anfitriões. O mais interessante é nas reuniões com as famílias, nas festas das mães, pais ou das crianças, esses aprendizes servem suas visitas e percebem a surpresa delas, pois, algumas também nunca experimentaram os sucos da horta. Tornam-se ensinantes!

São as crianças a falar aos adultos sobre a alimentação alternativa, saúde, benefícios dos nutrientes e entregam a eles receitas de sucos verde, "fanta" uva, "fanta" laranja etc.

Algumas mães orgulhosas e um tanto emocionadas dão depoimentos das mudanças alimentares de seus filhos e filhas.

Esse projeto acontece ano a ano. As professoras incrementam suas receitas, inclusive, recebem dicas de algumas famílias. Educam pela pesquisa.


Partilha de saberes e conhecimentos. É a integração de saberes existentes e a colaboração de diferentes conhecimentos para a explicação de realidades complexas. Influências da mídia e saberes socioambientais. Dialetos e línguas nativas. Sobrevivência e transcendência! Relação simbiótica. Utopias necessárias.

O vídeo abaixo retrata o trabalho feito na Unidade Pedagógica da Flexeira, conforme relatório 2008.


A escola enfrenta e discute a realidade dos hábitos e consumo de alimentos motivados pelos apelos da mídia, das necessidades dos vendedores ambulantes ou carências de políticas públicas, mas, que sobretudo, causam além de cáries, outras doenças sérias.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Escolas Ribeirinhas: a (re)leitura das águas

O entrelugar de casa para a escola é o rio, e esse rio é a minha rua. Por essa rua nossa história flutua, mergulha e navega. As águas contam a história do nosso povo ribeirinho, mas, traz com elas as histórias de outros povos e lugares. Ah! se ela fosse minha... As águas seriam mais límpidas.

sábado, 4 de abril de 2009

No entrelugar casa e escola: sentidos, movimentos e identidades


Para Vigotski (1989), a grande maioria das crianças já é capaz de ler aos quatro e cinco anos. É importante ampliar o conceito de leitura, segundo Paulo Freire (1986), para leitura do mundo e através de múltiplas linguagens. A linguagem (estereognóstica, corporificada, falada, cantada, tocada, desenhada, lida, discurso escrito etc.) é um fato social, por isso, desejada e comunicativa. Segundo pressupostos vigotskianos o processo de construção da leitura e escrita deve considerar o sujeito que aprende, sua atividade e toda a bagagem que antecede a escola -, e bakhtinianos que dizem que o ser humano não entende a palavra como unidade isolada, desvinculada do seu sentido concreto e da sua contextualidade.

Leva-se em conta a memória significativa da criança, advinda de processos vivenciais ou lúdicos... As crianças de quatro anos têm acesso e convívio com atos de leitura e escrita em contextos sociais de uso real. A trajetória cotidiana que a criança caminha de casa para a escola, e da escola para casa, em tempos diferentes, ao longo de um espaço e de tempo tão repletos de reversibilidades e informações, sentidos e vida, tessituras e cores, movimentos e sons, se torna importante no processo.

A casa é o lugar dos afetos. E na escola, os novos afetos. Carregadinhas de emoções, novas tessituras e alfabetizações. As tais palavras estão repletas de ressonância afetiva. A palavra CASA vem cheia de cantinhos, fragrâncias, líquidos, ruídos, silêncios, passagens secretas, alquimia etc. agregam-se outras peles, sentidos, significados, perspectivas...

O entrelugar articula e tece idéias, histórias, interações, mediações e produz novos sentidos através do conhecimento, das vontades, dos sentimentos e das ferramentas disponíveis aos sujeitos que arranjam sentidos, combinam elementos e recolocam pensamentos e redescobrem palavras-mundo. É o espaço mediador de saberes, conhecimentos e jogos de linguagem.

As primeiras letras que formam as palavras dessas realidades estão na casa, no caminho da casa-escola e na escola. Por isso pensei em como incorporar o uso de mídias em turmas de Jardim I? Através de desenhos e em sequência como a contar histórias, também pensei em arriscar através de quadrinhos. Quem pode me ajudar nesse desafio? Quais referências pertinentes?

A criança identifica e registra pouco a pouco, dia a dia, as memórias que evoca e traduz, as percepções que vai adquirindo e comparando nos três lugares: A CASA – A FAMÍLIA - O CAMINHO – A ESCOLA.

Como? Narrando oralmente, por desenhos, objetos trazidos desses lugares, por passeios, imagens, cantos, entrevistas, as lembranças são motivos de ler e escrever as palavras desses caminhos, palavras-mundo.

A criança se alfabetiza nos cantinhos de casa, nas pedras dos quintais, nas calçadas e nas vias, nas paredes e nos morros, nos vales ou outdoors. Não mais somente na escola ou em lugares determinados. A criança é “nativa” e nós adultos é que somos “imigrantes” ao depararmo-nos com um computador (PRENSKY apud DEMO, 2008).

Ela mexe sem medo de errar e mesmo sem saber ler. Sua aprendizagem é situada e fascinante. Aprende a exercer sua autonomia e autoria por desejo. O mundo da tecnologia é fascinante e cheio de relacionamentos. Sem a pressão escolar que engessa.

Esse mundo animado da tecnologia pode ser um excelente meio de novas aprendizagens. Agora seremos nós os adultos a também aprender com seus olhinhos diante da tela. Pois, não fomos essa criança há muito tempo atrás. Somos simultaneamente ensinantes-aprendentes como nos ensina Fernández (2001).

A criança é ensinante do presente em suas múltiplas relações com o aprender, o ensinar, o saber e o desejar. O belo desse processo é se dispor a aprender revelando aos nossos aprendentes os nossos próprios modos, estilos e potenciais de aprendizagem, percebendo-nos que em solidariedade e parceria podemos nos atualizar e amorosamente compartilhar as exigências, os interesses e a vontade epistemológicos de (re)construção do conhecimento, em direção aos estudos das novas ecologias cognitivas.

Assim caminho buscando aprender a ler suas marcas através da enunciação de seus desejos em desenhos, desejos de escrita, de comunicação... Aprendo com turmas de Jardim I, crianças não-alfabetizadas, mas em "estado de letramento", como podem ver no vídeo abaixo...