segunda-feira, 7 de março de 2011

Ao agressor com carinho: solidariedade em pauta

Fauvismo de Henri Matisse. A dança (1909/10)


Neste contexto carnavalesco não pude deixar de escrever e relacionar alegria, fenômeno bullying, vilões famosos, escola de samba e solidariedade na ética da vida!

Que o vilão atrai disso já constatamos em muitos de nossos testemunhos. E a literatura está recheada de anti-heróis sedutores: feiticeiras, lobisomen, boto; o capitão feio, o magneto do universo Marvel, o joão bafo-de-onça; o gargamel, o esqueleto, o pica-pau; o curinga, o drácula; o Freddy Krueger; Stephen King; os homens-bombas; mesmo sem querer Wagner como inspirador do holocausto; Hermógenes de Sertão Veredas, Edmundo de Rei Lear, Claudius de Hamlet, Iago de Otelo, Sauron do senhor dos anéis; a Emília, a bruxinha de Monteiro...


Até Tatiana Belinky, a roteirista do Sítio do Pica-Pau Amarelo, tradutora e escritora de belos livros infantis, nos segreda e no alto de seus noventa e poucos anos: “até gostava mais dos vilões, porque são mais interessantes. Queria ser bruxa e não fada. Claro, uma bruxa bonita, como a da Branca de Neve, que era ruim ruim bruxa bruxa, mas muito bonita”.

Coisas do cotidiano: os chocolates ou os hambúrgueres, a preguiça ou a procrastinação...

Coisas da música: o chorinho, a maneira emotiva e chorosa de atrair ritmistas, sambistas, todos chorões.

Coisas de músico: “aquela mancha vermelha/ na pele do meu surdão/ não é tinta minha gente/ é sangue da minha mão” (Jair Rodrigues)

Coisas de cachorro de casa: a minha cadelinha Kika, é uma salsichinha (dachshund) que adora uivar, já que não tem o grave do Tuko, o corneteiro do grupo de quatro cachorrinhos daqui de casa. Muito, né? Mas, eles vieram como coisas da vida... rs! Pois é, a Kika quando saímos se entristece, daí resolve uivar de primeira ao bater da porta, assim os primeiros acordes dos seus lamentos uivantes chamam os demais. Só nos fazem rir. Começou assim. Agora toda vez que um estranho bate à porta, ela aqui por cima de orelha em pé, começa a cheirar freneticamente a porta e vem aquele coral, só que os outros não sabem uivar como ela. O canto coral deles é uma graça, cada um tentou modificar um pouco a forma do latido. A Kika, a menorzinha de todas, é a maestra canina. A chorosa!

- E daí, deu para atrair? rir um pouquinho?

Pois é, na escola, as crianças ao evocar bullying, testemunham entremeios a estorvos, lamentos, choramingos, medos, constrangimentos, vergonhas, silêncios, deslizes, raivas contidas, elementos fauvistas redesenhados, doses surreais, palavras feias, engasgadas, camufladas, tossidas, até esquecidas, outras ressignificadas nos eteceteras, algumas tatuagens de corpo-voz ou corpo-embargo dali emergem novos corpo-vozes, corpo-palavras, corpo-ação, corpo-escrita, e na textura da ética da vida por lá escrevem:

- "podemos ajudar as pessoas que agrediram as outras pessoas"
- "dar mais atenção para o agressor, bons conselhos podem resolver o fato"
- "ter uma sala para as pessoas agredidas e a pessoa que fez fosse pega estar com alguém mais experiente para conversar"
- "o agressor que provocou briga poderia pensar mais um pouco e ficar longe da pessoa que quer violentar, porque a briga começa com um simples gesto, podemos sim evitar brigas fazendo reunião, com os coordenadores da escola para evitar certas emoções"
- "nós os alunos podemos ajudar conversando com o provocador"
- "fazer reunião com quem sofreu alguma agressão e com quem agrediu para conseguir uma convivência pacífica".

Os charmosos vilões dos quadrinhos, das telas, dos palcos da vida, e da vida da escola tem suas próprias histórias. Como se formam os anti-heróis? Quem são seus alvos? Como as vítimas lhes atraem?

Aluno, 10 anos, 4o. ano do Ensino Fundamental
O medo nos bloqueia? De onde ele vem? Infelizmente, alguns de nossos alunos se sentem frágeis diante desse gigante íntimo, calam contraídos nesse segredo, assim apresentam dificuldades de defesa, de expressão e de relacionamento. Roda-viva. Sem defesa o organismo não consegue reagir. Rebaixa auto-estima e a capacidade cognitiva, desmotiva estudo e a frequência às aulas. A força vem do Amor. De onde ele vem?

Aluno, 14 anos, 8o. ano do Ensino Fundamental
A raiva, o ciúme, a inveja, a rejeição, o abandono, contrariamente, podem dar poder indevido. É o poder simbólico tomando forma. Planejar o (contra)ataque estimula. Encontrar a vítima certa até excita. Porém, “não são a morte, o sofrimento ou a perda que nos roubam a força: são o medo da morte, o medo da dor e o medo da perda que transformam os manipulados em vítimas e os manipuladores em terroristas”. (Abdullah apud Moz, 1995).

Percebemos mais histórias de submissão nas falas de alunos, entretanto, alguns adultos preferem ignorar o fenômeno, por banalizarem o caso. A pedagogia dos conteúdos fala mais forte, exigem desempenhos. Ledo engano. Engrossam-se as estatísticas do insucesso escolar. O cotidiano se atravessa na escola. Com ela, as mazelas impregnam-se nas distrações, nas omissões, na autoridade da fala, na pressa do mundo acelerado, na falta de diálogo em casa, na busca de carinho na internet. Cyberbullying. Vilão que atrai. Celular que filma e bate foto é algo mais sedutor. Internet chama olhares. Faz sonhar. Celular com jogos também distraem adultos. Assunto sério. E a vida leva...

Os índices mundiais de alunos envolvidos no fenômeno bullying chegam a 40% (Fante, 2008). No Brasil, ainda não existe pesquisa de âmbito nacional sobre nossos indicadores. Infelizmente, o tema ainda não é levado a sério por aqui, estamos bastante atrasados e com isso ficamos longe de resolver o problema. O pior é o fato de muitos ignorarem o fenômeno. Assim como banalizam doenças do corpo, das relações, do imaginário social como a Aids e a lepra, ou a tuberculose e o câncer, da solidariedade como a fome, o abandono, a dor da perda da família e de casas nas enchentes, da dignidade, a prostituição e outras tantas vulnerabilidades.

Queremos sucesso. E quem cuida do fracasso? Não dá ibope. Para isso temos photoshop.

Na amostra de 762 alunos da escola, o número das boas ideias relacionadas à cultura da paz ou a educação do sensível corresponde a 1,2%. A preocupação com o agressor é bem menor ainda. Mas existe. É o beija-flor que encanta.

As pessoas querem se defender do agressor, mas, onde vamos colocá-lo? Nas ruas? Nos albergues para menores infratores? Nas mãos de traficantes ou outros bandidos à solta? E o buraco na camada de ozônio é produto de que mesmo? Gandhi nos responde: “a Terra atende às necessidades humanas de todos, mas não agüenta a voracidade das elites consumidoras” (Boff, 1999).

Talvez continuemos a pensar que somos inatingíveis. Faz bem!

Talvez despertemos do sono. E bem!

Pai, acorde! O mundo está acabando! Acorde! (...) Não, meu filho, não é o fim do mundo. É apenas o começo de um novo dia”. (Washington Araújo apud Boff, 1999)

Destaco a escrita de um aluno que é alvo e autor, tem 10 anos, diz sofrer preconceito por ser gordo. Ele sugere à escola: “fazer passeios em duplas, entre aqueles que ficam se batendo, e talvez acabem esses problemas...”. Que alegria! É a escola de samba da vida na Ilha de Cotijuba!!!

Solidariedade às escolas de samba do Rio de Janeiro!!! Cooperação na rivalidade. Grande Rio, União da Ilha e Portela não serão rebaixadas. Não serão julgadas. Belo acorde. Viva!

O samba não foi queimado. A competitividade ressignificada. A amizade faz milagre. Esperanças acenam.


Referências:
BOFF, Leonardo. Ética da vida. Brasília: Letra Viva, 1999.
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 15 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
CORSO, Diana Lichtenstein; CORSO, Mario. Fadas no Divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006.
FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008.
MOZ, Jane Middelton; ZAWADSKI, Mary Lee. Bullying: estratégias de sobrevivência para crianças e adultos. Porto Alegre: Artmed, 2007.

Imagem 2 e 3: arquivos pessoais

2 comentários:

  1. Muito bom o texto, Rocio. Parabéns!
    Franz

    ResponderExcluir
  2. Pois é, Franz!
    Estamos acordando para os nossos números. E a esperança é que os registros das falas do alunado possam nos ajudar a pensar mais... E agirmos melhor.
    Abraços!

    ResponderExcluir