quarta-feira, 9 de março de 2011

A doce mulher selvagem: a loba em nós

Ontem foi o dia internacional das mulheres.

Estranho falar de algo assim tardio? Coisas de vida e nada proscratinada. É o tempo que se e nos refaz diariamente.

"Em momentos de grandes metamorfoses e transformações toda grande mulher deve ler esse livro. Ele recruta o que há de mais forte e selvagem em todas nós". Desta feita recebi o livro de presente, com esse recado carinhoso de Ceiça Almeida (UFRN), em junho de 2001, há quase dez anos atrás.


Uma das mulheres mais incríveis que já conheci. E este livro tem a ver conosco. Com todas as mulheres. Apaixonei-me por ela também. Amiga de Morin. Apresentou-me a ele. Editamos livros da complexidade juntas quando eu estava como editora da Universidade do Estado do Pará (Eduepa), de 2000 a 2004. Prigogine gostou de sua obra editada e nos indicou outra, através de Morin e Ceiça, e que busquei junto à Unesp a melhor forma de editar no Brasil, assim saiu a coleção de livros “Nomes de Deuses” (Noms de Dieux) – e de bolso! Presentes significativos. Inesquecíveis como poucos.

Recomendo a leitura do livro “Mulheres que correm com os lobos”, de Clarissa Pinkolas Estés (Ed. Rocco). É a releitura da mulher guerreira, ou da compreensão da natureza da mulher selvagem. Assusta por vezes alguém desprevenido. Talvez não. A mulher é doce e selvagem. Lua e Sol. Sol e Lua. Por ali lendas e histórias antigas reapresentam a fortaleza da mulher, nos recolocam como uma loba. Liberta os conflitos da mulher moderna. Rueira. Rural. Caseira. Profissional. Artesanal e digital. Reescrita e reeditada. Até atingir a libertação. Conflitos internos e externos ressignificados. Emancipada. Amorosa. Fera. Feliz.

De início, La loba incorpora-se em uma mulher que se esconde, mora num lugar oculto, todos sabem onde está. Poucos viram. Lá ela fica à espera de alguém perdido ou que procura algo. Muito estranha. Evita pessoas e fala língua estranhas. Mais próxima dos animais. Sua lenda afirma que acolhia ossos de todos viventes por ali e naquele acolá, guardava-os. Admirava mais os lobos. Quando montava os quebra-cabeças, de ossinho em ossinho, fazia a fogueira, ofertava ao mundo, cantava uma canção. Renascia. Incorporava. O lobo voltava viver na loba. Força e vitalidade. Tudo ligado. Corria. Enfrentava obstáculos. Saltava desfiladeiros e se tornava uma linda mulher e a cada cerimônia mais bela. Visceral. Assim Ceiça me percebeu. Assim amamos as mulheres. Todas em nós. A idade da loba. Auto-análise. Rejuvenesce!

Lenda. Verdades. O livro é para homens e mulheres. Faz-nos bem! Fortalece-nos na caminhada. Vamos juntando os ossinhos, peçinha a peçinha, pozinho a pozinho. Cálcio faz bem! Glucosamina e Condroitina também. Ainda mais agora que estou com poliartrose erosiva. Ossos perdidos no deserto! Cantemos em volta da fogueira. Celebramos a vida!

Todo processo exige zelo e trabalho. É a força da vida. Quem canta seus males espanta. É o sopro da vida. Destaco quatro passagens do livro de Estés:

"Quando as mulheres reafirmam seu relacionamento com a natureza selvagem, elas recebem o dom de dispor de uma observadora interna permanente, uma sábia, uma visionária, um oráculo, uma inspiradora, uma intuitiva, uma criadora, uma inventora e uma ouvinte que guia, sugere e estimula uma vida vibrante nos mundos interior e exterior. Quando as mulheres estão com a Mulher Selvagem, a realidade desse relacionamento transparece nelas. Não importa o que aconteça, essa instrutora, mãe e mentora selvagem dá sustentação às suas vidas interior e exterior”. (p. 21)

E então, o que é a Mulher Selvagem? Do ponto de vista da psicologia arquetípica, bem como pela tradição das contadoras de histórias, ela é a alma feminina. No entanto, ela é mais do que isso. Ela é a origem do feminino. Ela é tudo o que for instintivo, tanto do mundo visível quanto do oculto - ela é a base. Cada uma de nós recebe uma célula refulgente que contém todos os instintos e conhecimentos necessários para a nossa vida". (p.27)


"Portanto, o termo selvagem neste contexto não é usado em seu atual sentido pejorativo de algo fora de controle, mas em seu sentido original, de viver uma vida natural, uma vida em que a criatura tenha uma integridade inata e limites saudáveis. Essas palavras, mulher e selvagem, fazem com que as mulheres se lembrem de quem são e do que representam. Elas criam uma imagem para descrever a força que sustenta todas as fêmeas. Elas encarnam uma força sem a qual as mulheres não podem viver". (p.21)

Em termos arquetípicos, a natureza da vida-morte-vida é um componente básico da natureza instintiva. (...) a mulher que chora junto ao rio, desde o anjo sombrio que afaga os seres humanos com a ponta de uma asa, fazendo com que caiam em êxtase, até o fogo-fátuo que aparece quando uma morte é iminente, as histórias estão repletas de remanescentes de antigas encarnações da deusa da vida-morte-vida.

Grande parte do nosso conhecimento da natureza da vida-morte-vida é contaminada pelo nosso medo da morte. Portanto, nossa capacidade para acompanhar os ciclos da natureza da vida-morte-vida é muito frágil. Essas forças não "fazem" nada a nós. Elas não são ladrões que nos roubam aquilo que prezamos. Essa natureza não é um motorista irresponsável que destrói o que valorizamos e foge em alta velocidade.

Não, não, as forças da vida-morte-vida fazem parte da nossa própria natureza, como uma autoridade interna que sabe os passos, que conhece a dança da vida e da morte. Ela é composta pelas partes de nós mesmas que sabem quando algo pode e deve nascer e quando ele deve morrer. Trata-se de um mestre profundo, se ao menos aprendermos seu ritmo. Rosário Castellanos, poeta e mística mexicana, escreve acerca da entrega às forças que governam a vida e a morte: ... dadme la muerte que me falta... [dá-me a morte que preciso].

Os poetas compreendem que não há nada de valor sem a morte. Sem a morte, não há lições; sem a morte não há o fundo escuro contra o qual o diamante cintila. Enquanto aqueles que são iniciados não tem medo da Morte, a cultura muitas vezes nos incita a jogar a Mulher-esqueleto pelo penhasco abaixo, não só por ela ser apavorante, mas também porque demora muito para que aprendamos a lidar com ela. Um mundo desalmado estimula cada vez maior rapidez na procura desenfreada daquele único filamento que parece ser aquele que arderá imediatamente e para sempre. No entanto, o milagre que estamos procurando leva tempo: tempo para encontrá-lo, tempo para trazê-lo à vida.

A busca moderna pela máquina do movimento perpétuo equivale à busca de uma máquina de amor perpétuo. Não surpreende que as pessoas que tentam amar fiquem confusas e atormentadas e que, como na história dos sapatinhos vermelhos de Hans Christian Andersen, dancem loucamente, incapazes de parar com a agitação frenética, e passem rodopiando direto pelas coisas que, no fundo do coração, elas mais prezam”. (p.173-174)

MULHER...

... “é a força da vida-morte-vida; é a incubadora. É a intuição, a vidência, é a que escuta com atenção e tem o coração leal. Ela estimula os humanos a continuarem a ser multilíngues: fluentes no linguajar dos sonhos, da paixão, da poesia. Ela sussurra em sonhos noturnos; ela deixa em seu rastro no terreno da alma da mulher um pêlo grosseiro e pegadas lamacentas. Esses sinais enchem as mulheres de vontade de encontrá-la, libertá-la e amá-la.

Ela é ideias, sentimentos, impulsos e recordações. Ela ficou perdida e esquecida por muito, muito tempo. Ela é a fonte, a luz, a noite, a treva e o amanhecer. Ela é o cheiro da lama boa e a perna traseira da raposa. Os pássaros que nos contam segredos pertencem a ela. Ela é a voz que diz, 'Por aqui, por aqui'.

Ela é quem se enfurece diante da injustiça. Ela é a que gira como uma roda enorme. É a criadora dos ciclos. É à procura dela que saímos de casa. É à procura dela que voltamos para casa. Ela é a raiz estrumada de todas as mulheres. Ela é tudo que nos mantém vivas quando achamos que chegamos ao fim. Ela é a geradora de acordos e ideias pequenas e incipientes. Ela é a mente que nos concebe; nós somos os seus Pensamentos". (p. 27)

E o seu companheiro?

"O companheiro certo para a Mulher Selvagem é aquele que tem uma profunda tenacidade e resistência de alma, aquele que sabe mandar sua própria natureza instintiva ir espiar por baixo da cabana da alma de uma mulher e compreender o que vir e ouvir por lá. O bom partido é o homem que insiste em voltar para tentar entender, é o que não se deixa dissuadir". (p.165)

Espero que você se sinta seduzido a ler mais sobre o livro. Faz bem!

Obrigada Ceiça, a lembrança de nossos tempos de Natal e Belém aqui se renascem. Bons estudos! Saudades!


Para saber mais sobre Ceiça Almeida e o Grupo da Complexidade é só acessar a página do Grecom: http://www.ufrn.br/grecom/ e se encantar. Deixa levar!





Eduepa, 2001
Lançamento do livro de Ceiça Almeida, Iran Mendes e John Fossa
Na foto: Fossa, eu, Carlos Aldemir, Iran e Ceiça
No Café Filosófico da A.S. Book de Natal (RN) - 2001
Lançamento do livro "Ciência, Razão e Paixão", de Ilya Prigogine.
Eu, o Pró-Reitor da UFRN, Cícero da AS Book, Ceiça e Edgard Carvalho


Referência: ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

2 comentários:

  1. Bela referência, RÓcio! Deixo aqui meu carinho especial por essa doce e selvagem loba mulher. Lindos dias neste ano que se reinicia!

    Isa.

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  2. Bele,
    Com Você o novo olhar do ano que se inicia após o carnaval. E Feliz Dia das Mulheres! E brindamos a natureza feminina que permeia a todos. Somos humanamente masculinos e femininos. Marte e Vênus!
    Tin-tin aos nossos lindos dias Bela Bele!

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