sexta-feira, 30 de agosto de 2013

30 de agosto de 1988: dia de luto e luta dos trabalhadores da educação

O que é estar em greve?
Lutar por direitos ou por privilégios?


Apesar da escoriação medir um centímetro de extensão, a dor foi profunda, aguda...
como medir a invasão na carne e na alma educadora?
Não ir para a escola ou deixar os alunos sem aula? Ou dar uma aula de cidadania, mostrar na práxis os significados e o sentido da escola cidadã, feita de educadores que defendem uma escola pública de qualidade em todos os sentidos; que batalham para que o aluno aprenda; que buscam entender as dificuldades de aprendizagem e a questão das diferenças que pode estar atrapalhando o desempenho do coração do estudante, ou seja, de seu corpo inteiro.


Quem diz que está de greve e fica no sofá da sala, dentre lençóis da cama ou entre embrulhos das compras, pode dizer que luta pela classe que representa? O que é o ônus e não somente o "bônus" da profissão? Deixar que o outro faça ou sofra as consequências sozinho? É preciso mostrar a cara na luta, ter assinatura e não ser somente um anônimo, que se acovarda ou se privilegia.

Dia de greve não é dia de folga. Também, é preciso contribuir com o Sindicato dos Professores, mês a mês, participar de reuniões agendadas ou outras formas requeridas, para que tenhamos sempre boa representação e com debate competente e ético.

Ser professora e orientadora educacional é estar na escola lutando contra o analfabetismo, as dificuldades de aprendizagem, valorizar a participação dos estudantes através de seus representantes de turma, ou a criação/mediação dos grêmios estudantis.


"Para ser grande, sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és / No mínimo que fazes. Assim em cada lado a lua toda / Brilha, porque alta vive".
Ricardo Reis, segundo heterônomo criado por Fernando Pessoa, em 14-2-1933.
Referência
Odes de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. Ed. Ática, 1994.

sábado, 3 de agosto de 2013

Crianças ou adultos como sujeitos de afetos e não objetos de ensinagens

Como acontece a fala e a escuta em sala de aula? Onde se situam o lugar e a posição das falas e das escutas? Quem são os sujeitos interlocutores nesses lugares, posições e tempo? Quando acontece a troca?


O mal-estar na escola tem diversas faces para serem olhadas e pensadas: é como se olhássemos um cubo, que tem seis faces, como sabemos, mas só podemos, de um determinado lugar, ver três faces, é necessário que nos desloquemos para que vejamos todas as faces” (OUTEIRAL, CEREZER, 2003, p.1).

Escutar é dar sentido ao espaço que cerca o aluno. Ouvir ditos e não ditos, produz-se, amplia-se e repete-se o afeto prazeroso e desprazeroso. Na repetição pode emergir o processo da criação. Na fala, a falta, a lacuna, o desejo ou o recuo. Escuta sensível mexe com afetos. A fala se reorienta no processo do ensino-aprendizagem. O saber do aluno e o conhecimento da forma apresentada pelo professor cooperam na compreensão do conteúdo exposto. A leitura ajuda a reler o dito e o não-dito, mexe com os significantes e o significado das relações. A pesquisa ajuda nas releituras do conteúdo, sob novos pontos de vistas e com isso facilita a formação de opinião, que pode afirmar ou negar o dito pelos não-ditos ou outros ditos.

A fala faz fazer operar na sua cadeia de palavras, o divórcio entre significante e significado e aí o sujeito do inconsciente emergirá nos tropeços da fala, nos atos falhados, nos chistes, nos sonhos etc. A fala, fala, mas esta é incompleta porque o sujeito falante sempre tem algo por dizer, a fala comporta um furo no dizer, um semidizer.

Uma lição a ser ressignificada, é preciso saber matar o mestre, aprendendo a falar, escutar e a tornar o mestre de si mesmo. Uma rede de sentidos, escutas, falas, faltas, afetos. A autoria acontece nesse movimento intenso de argumentação e contra-argumentação, de ensino, pesquisa e releituras.

Na escola com crianças menores de sete anos a gente aprende a ouvir como se aprende a ler o mundo através da palavra e sua rede de significados. A palavra loja revela o lugar de trânsito diário, da proximidade de moradia do colega, do ponto de referência que marca o início de uma rua, o lugar de compras, o sorriso dos encontros diários, os olhares desconfiados, os compassos furtivos, acenos de alegrias, o sonho de consumo, o endereço de brinquedos, e não somente a confusão fonêmica do "g" na consoante "j".

A fala e a escuta ocupam um lugar singular no modo de educar.

No lugar de avó fortaleci ainda mais a maneira de olhar a criança como sujeito de afetos, sem pressa para aprender sobre seus movimentos, gestos, falas e faltas e não no afã de que aprenda algo mas, que veja o belo em tudo que vê, onde aprenda a respeitar o outro, o diferente, o exótico. Compreendendo os sinais da ansiedade, do medo, da falta, da falha, da brecha e da indagação como importantes para motivar a busca, a reinvenção.

O que se cultiva em outros meios, como as pessoas de outros espaços, discursos, lugares ou tempos, aprendem com o seu meio e o que esse olhar múltiplo ajuda a gente a se refazer em nossas relações cotidianas e complexas?

Entram aí nesse contexto das aprendências, a palavra letramento e o desafio de se alfabetizar letrando. Questões bastante presentes em turmas das séries iniciais, de educação infantil ou salas de alfabetização de adultos onde aprendemos a nos apropriar do discurso escrito através da palavramundo*. E bem ali próximo do universo aprendente dos sujeitos de afetos, prazerosos ou não, provenientes de sedução, de relação transferencial, de situação ambivalente, de repressão ou frustração, sempre observadas nas relações com objetos de estudo e nos mais diferentes ambientes educativos de uma escola ou comunidade escolar envolvida.

No conjunto é preciso saber enlaçar educação, representação e afetos como escuta de interfaces a ser construída nas relações do processo educativo que acontece na escola ou na vida. Ensinantes e aprendentes, em seus papéis de escuta, fala e falta, trazem nos atos educativos seus afetos manifestos ou latentes que facilitam ou dificultam a troca de conhecimentos.

Nessas releituras, “vamos bordando a nossa vida, sem conhecer por inteiro o risco; representamos o nosso papel, sem conhecer por inteiro a peça. De vez em quando, voltamos a olhar para o bordado já feito e sob ele desvendamos o risco desconhecido” (SOARES, 1990, p. 25).

* palavramundo, é neologismo, criado por Freire (1982), para nomear os contatos iniciais do sujeito leitor do mundo em suas múltiplas dimensões, ou seja, por ser a leitura da palavra, para ele, sempre precedida da leitura de mundo.

Referências
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 13 ed. São Paulo: Cortez, 1982.
OUTEIRAL, José; CEREZER, Cleon. O mal-estar na escola. Rio de Janeiro: Revinter, 2003.
SOARES, Magda. Metamemória, memórias: travessia de uma educadora. São Paulo: Cortez, 1990.